Conhecida por ser um movimento de articulação política de enfrentamento à Ditadura e de busca pelo retorno à democrática, a Frente Ampla – formada por Carlos Lacerda, jornalista e ex-governador da Guanabara, e pelos ex-presidentes Juscelino Kubitscheck e João Goulart– foi lançada em 28 de outubro de 1966, realizando, até o seu fim, diversos comícios, manifestações de rua e reivindicações – como o retorno às eleições diretas, ao pluripartidarismo, ao direito de greve e a anistia.
Por mais contraditória e confusa que possa parecer a união de Carlos Lacerda – um dos mais destacados líderes do golpe militar que depôs Jango em 31 de março de 1964 – e aqueles que tanto criticou em seus artigos, é preciso compreender as motivações de Lacerda e o que o levou a idealizar o movimento.
Primeiro, em outubro de 1965, Carlos não consegue fazer seu Secretário de Educação, Carlos Flexa Ribeiro, o sucessor de seu cargo como governador da Guanabara.
Com a consolidação do regime militar por meio do Ato Institucional n° 2, o qual suprimiu as eleições diretas para a presidência da República, anulam-se as esperanças de Lacerda de chegar a este cargo. Após tentar, sem êxito, estruturar um novo partido – visto que a maior parte do seu partido, a União Democrática Nacional, ingressou na Aliança Renovadora Nacional (Arena) –, orientou os deputados da Guanabara a ingressarem na oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em julho de 1966. Foi por meio de aliados presentes no MDB, principalmente Renato Ascher e Armindo Doutel de Andrade, que Lacerda tentou articular a Frente Ampla.
Contudo, já no início da Ditadura Militar, boa parte dos principais líderes políticos ou estavam exilados (João Goulart, Leonel Brizola e amigues Arraes) ou cassados (JK, Luís Carlos Prestes, Henrique Teixeira Lott, Adhemar de Barros e Jânio Quadros). As negociações de Lacerda com JK, cassado em junho de 1964 e exilado em Lisboa, desenvolvidas por Ascher, avançaram com certa facilidade, mas com Jango, exilado em Montevidéu, o desenrolar ministrado por Armindo estava mais complicado.
Em (27 de setembro ou outubro?) de 1966, por meio da publicação do Manifesto da Frente Ampla no jornal carioca Tribuna da Imprensa, assinado apenas por Lacerda, o movimento chega a público criticando as ações da Ditadura Militar, exigindo eleições livres e diretas, retomada do desenvolvimento econômico, reformar partidária e institucional e adoção de uma política externa soberana. Em novembro, Lacerda vai até Portugal selar um pacto de aliança com JK ao divulgar a Declaração de Lisboa, na qual afirmavam terem superado as divergências e estarem dispostos a trabalharem juntos em oposição ao regime militar. Em setembro do ano seguinte, o até então apoiador do Golpe de 1964, encontra Jango no Uruguai para formalizar a polêmica aliança com o Pacto de Montevidéu, indicando ser a Frente Ampla um instrumento para a restauração das liberdades públicas e individuais.
Segundo Sérgio Lamarão, “em maior de 1967, em discurso na Câmara dos Deputados, Renato Archer declarou que a Frente Ampla entraria em recesso por 90 dias, na expectativa de uma melhor definição do recém-instalado governo do marechal Costa e Silva. No período que se seguiu, diluíram-se os apoios da bancada do MDB. No final de agosto, reiterando o agravamento das relações da Frente com o governo, o ministro da Justiça, Gama e Silva, proibiu a presença de Lacerda na televisão. Foi nessa conjuntura de tensão que Archer foi designado secretário-geral da Frente Ampla”.
De acordo com o historiador Marcos Napolitano, o movimento “criticava duramente a política recessiva de Castelo e apelava aos trabalhadores, estudantes, mulheres, empresários, delineando um campo de mobilização que mais tarde seria chamado de “sociedade civil“, termo que ainda não aparece no documento. Apelava até aos sentimentos patrióticos dos militares, que segundo o documento estavam sendo traídos pelo caráter antinacional e antidemocrático do regime. Apesar das críticas, o tom era de apelo ao diálogo, na esperança de uma saída negociada para o impasse e isolamento político no qual o regime parecia mergulhar”.
Em pouco tempo, à Frente Ampla passa um período de maior mobilização pública, com comícios nas cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, em dezembro de de 1967, e em Londrina e Maringá, no Paraná, no início de abril de 1968. Esses últimos eventos, reunindo mais de 15 mil pessoas, coincidiram com as manifestações estudantis realizadas em todo o país em repúdio à violência policial que, no Rio de Janeiro, causara a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto no final de março. (LAMARÃO, Sérgio)
Com o apoio do movimento estudantil, a Frente Ampla passou a ser vista como uma ameaça aos militares, como uma possibilidade de restauração da condição anterior ao Golpe de 1964, visto que tinha a simpatia popular, o apoio de parte da Igreja Católica e da intelectualidade, sobretudo após a morte de Edson Luís. Assim, em 5 de abril de 1968, quando a questão estudantil saiu do controle e ganhou as ruas, o Ministro da Justiça emite a portaria n° 177, a qual proibiu a Frente Ampla e considerou ilegal qualquer manifestação em seu nome.
Em 13 de dezembro de 1968, estabelece-se o AI-5, permitindo a cassação do mandato de Lacerda e sua prisão – este perdeu seus direitos políticos por dez anos, mas conseguiu ser liberto após uma greve de fome de uma semana. Pelas palavras de Rainer Sousa, “a cassação dos mandatos, as prisões arbitrárias e o exílio compuseram a rotina que fomentou a desmobilização política da nação. Sendo assim, a “Frente Ampla” teve suas aspirações dilaceradas pela saída dos seus líderes da vida política da nação brasileira. A democracia haveria de esperar por mais tempo”.
Referências:
SOUSA, Reiner. Frente Ampla. Acesso em: 18 de dezembro de 2022. Disponível em: <https://m.brasilescola.uol.com.br/historiab/frente-ampla.htm>.
PINTO, Tales. Frente Ampla e a atração dos opostos políticos. Acesso em: 18 de dezembro de 2022. Disponível em: <https://m.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/frente-ampla-e-a-atracao-dos-opostos-politicos.htm>.
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/Exilio/Articulacao_da_oposicao
DELGADO, Marcio de Paiva. A frente ampla de oposição ao regime militar (1966-1968). Acesso em: 18 de dezembro de 2022. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUBD-9D8FCP>.