Jean Manzon nasceu em 2 de fevereiro de 1915, na grande Paris (França), e faleceu em 1º de julho de 1990, aos 75 anos de idade.
Sua carreira como repórter fotográfico começa cedo, passando pelas revistas Paris Soir, Match na França, e, no Brasil, para onde viaja aos 25 anos, e participa de grandes periódicos como O Cruzeiro e a revista Manchete. Sua chegada ao Brasil ocorre em 1940 contratado para o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), de Getúlio Vargas, trabalhando no setor de fotografia. As fotografias produzidas por Jean Manzon, nesse contexto, tinham o objetivo de retratar o Brasil que interessava ao governo, criando uma imagem brasileira positiva para ser apresentada internacionalmente. Eram produzidas fotografias e fotorreportagens em uma lógica ufanista, prestigiando a modernização e a miscigenação, e ensejando a ideia de um Estado-nação harmônico. É em 1943 que Jean Manzon deixa o setor de fotografia do DIP e ingressa para a revista ilustrada O Cruzeiro, num momento de reformulação do periódico que existia desde 1928.
Em 1952, funda sua própria empresa cinematográfica, através da qual se consolida como um dos maiores produtores do século, realizando mais de 900 documentários, escrevendo diversos livros e deixando um extenso arquivo de negativos. Jean Manzon recebe, também, diversos prêmios, dentre os quais destaca-se o Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza, de 1966, recebido pela produção L’Amazone.
Frequentemente associado às redações de David Nasser, o fotógrafo é considerado por muitos o responsável por renovar o conceito e a prática do fotojornalismo no Brasil. Quando Manzon chega ao O Cruzeiro, encontra uma estrutura hierárquica que privilegia os redatores em detrimento dos escassos fotógrafos – os quais sequer possuíam seus próprios setores. Através de sua ação e de editores da revista, várias mudanças são propostas a fim de valorizar o texto não verbal, como a reformulação das páginas de maneira que a imagem ganha tanto espaço quanto o texto, representando propósito próprio, para além da mera ilustração/acompanhamento. Essas transformações criaram um setor de fotografia robusto e incorporou padrões modernos do fotojornalismo, associado às grandes revistas ilustradas internacionais como Time, Vu e Match.
A fotografia do francês, apesar de, paradoxalmente, ser considerada realista, se afasta do que é considerado um registro instantâneo de eventos dado ao seu caráter cênico: grande controle do que será enquadrado, personagens posados e angulação característica da formação fotográfica europeia (não linear, mas de cima para baixo ou de baixo para cima). A fotografia planejada ser transmitida como documento para os expectadores fazia com que ela adquirisse caráter factual, mas as escolhas cênicas do que é fotografado revelam uma posição política na construção de sentido da imagem. Considerando o grande alcance e impacto social que as reportagens fotográficas tinham à época, tal construção de sentido era fundamental para a formação da percepção dos leitores acerca dos eventos relatados.
A aviação e a FAB no Estado Novo: “Um ministro na estratosfera”
A reportagem “Um ministro na Estratosfera”, composta pelas fotografias e relatos de Jean Manzon, a partir dos quais David Nasser escreve o texto, narra uma viagem do Brasil até Santiago do Chile. Joaquim Pedro Salgado Filho, o ministro em questão, foi o primeiro Ministro da Aeronáutica do Brasil, ocupando cargo no governo de Getúlio Vargas, de 1941 até 1945, mas também com carreira política extensa na Era Vargas (1930-1945).
Identificado com o movimento civil-militar que deu um golpe de estado e propôs reformas sociais e políticas de cunho nacionalista, Salgado Filho foi um “revolucionário” de 1930. Na instauração do Estado Novo (1937-1945), foi uma das peças da aliança que Vargas realizou com os militares. E, durante a Segunda Guerra Mundial, um dos esforços do governo foi a criação da Força Aérea Brasileira (FAB) e o Ministério da aeronáutica. Os aviões de guerra foram centrais no teatro de guerra europeu e o Brasil buscava se modernizar, criando uma mobilização civil e militar em torno da aviação e de sua indústria.
Os Diários Associados, de Assis Chateubriand, participou desse esforço de difusão da aviação como símbolo de modernidade e necessário para a segurança nacional do país, que havia se engajado junto aos Aliados na guerra contra o Eixo. A reportagem de O Cruzeiro enfatizava esse feito. A figura de Salgado Filho e a sigla “FAB” na asa do avião eram signos desse esforço de modernização enfatizados na fotorreportagem.
A reportagem conta com imagens de Jean Manzon e a narrativa que beira o lírico de David Nasser, descrevendo a experiência e os episódios pelos quais os tripulantes passavam durante seu voo. O texto conta as condições, que eram ideais, para o voo, até o momento que chegam aos Andes, onde enfrentam uma grande tempestade de neve. Típico da dupla, são retratados os passageiros do avião como se fossem personagens de uma história. E a figura de Assis Chateubriand dormindo nos Andes, não deixa de mostrar o humor da dupla de jornalistas e do periódico para com o chefe da rede dos Diários Associados – a maior empresa de comunicação social do país.
A reportagem destaca fortemente as relações políticas de amizade entre o Brasil e o Chile, reconhecendo o segundo como um dos países da América de maiores possibilidades, e destacando o quanto Salgado Filho foi cordialmente recebido no país. Além disso, coloca-se a relação de irmandade e hospitalidade entre Brasil e Argentina, conforme iam em direção a Mendoza, seu próximo destino.
Tais narrativas reforçam a imagem pretendida internacionalmente, a qual, além de consolidar o Brasil como uma nação amigável e bem relacionada com as demais, também reforçam a suposta harmonia do povo brasileiro entre si, abafando possíveis conflitos sociais. Essa representação do Brasil como liderança na América do Sul foi reforçada na aliança com os Estados Unidos, na “Política de Boa Vizinhança”.
Referências Bibliográficas
BURGI, Sérgio. O fotojornalismo humanista em O Cruzeiro. In: As origens do Fotojornalismo no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2012.
COSTA, Heloise. “Palco de uma História Desejada: O retrato do Brasil por Jean Manzon”, In Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, N. 27, Fotografia, 1998.
ESCRITÓRIO DA ARTE. “Jean Manzon – Obras de artes disponíveis”. [Internet]. 2023. Disponível em: https://www.escritoriodearte.com/artista/jean-manzon. Acesso em: 18 de Julho de 2023.
JUNIOR, Rubens Fernandes. “Jean Manzon”. Almeida e Dale, 2019.
NASSER, David. MANZON, Jean – Um ministro na estratosfera. Revista O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1944 – edição 0004. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=003581&pagfis=38619. Acesso em: 2 de Agosto de 2023.