Kimberly Daniela Katrine, mais conhecida como Salém da Rocinha, é uma fotógrafa, diretora e artista visual brasileira cujo trabalho se destaca por sua abordagem humanizada e esteticamente potente da vida nas favelas.
Nascida na Rua 4 da Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, Salém construiu uma trajetória artística que desafia estereótipos e reafirma a complexidade cultural de sua comunidade. Formada pelo Observatório de Favelas, ela utiliza a fotografia como instrumento de documentação, resistência e celebração, oferecendo uma narrativa visual autêntica que contrasta com as representações midiáticas tradicionais.
O interesse de Salém pela fotografia surgiu da necessidade de reescrever a imagem da favela, frequentemente associada à violência e à marginalidade. Inspirada por nomes como Sebastião Salgado, Gordon Parks e pela fotógrafa sul-africana Zanele Muholi, ela desenvolveu um estilo marcado por cores vibrantes, contrastes expressivos e composições que valorizam o cotidiano. Seu trabalho não apenas registra, mas poetiza a vida na Rocinha.
Para Salém, “a favela não precisa ser explicada, mas vista em sua pluralidade” – uma filosofia que guia seu trabalho. Seu perfil no Instagram (@afotogracria), com mais de 190 mil seguidores, transformou-se em um arquivo visual afetivo da Rocinha, revelando desde o cotidiano vibrante até as lutas estruturais da comunidade. Além da produção artística, ela atua em coletivos como “Favelas na Mídia” e “Nós por Nós”, iniciativas que combatem a criminalização midiática das periferias e promovem narrativas autênticas.
A fotografia de Salém e a “guerra de imagens”
A favela, enquanto território marcado por fronteiras simbólicas e fraturas sociais, foi historicamente cercada por mitos que reforçam sua marginalização (BENTES, 2003). No trabalho da fotógrafa Salém, identifica-se uma ruptura dessas fronteiras invisíveis, que por décadas serviram para desumanizar tanto o espaço quanto seus moradores.
Ao retratar a UPP sem recorrer à espetacularização, Salém desvela o poder policial como parte integrante da paisagem cotidiana, distanciando-se da narrativa midiática que a apresenta como força “salvadora”. Sua abordagem expõe a viatura não como símbolo de paz, mas como artefato de poder que tensiona as narrativas hegemônicas sobre a favela.Ao retratar a UPP sem recorrer à espetacularização, Salém desvela o poder policial como parte integrante da paisagem cotidiana, distanciando-se da narrativa midiática que a apresenta como força “salvadora”. Sua abordagem expõe a viatura não como símbolo de paz, mas como artefato de poder que tensiona as narrativas hegemônicas sobre a favela. Se a imagem parece banal — ao capturar a ausência de ação policial —, critica a institucionalização da violência; se assume um tom dramático, denuncia a militarização do cotidiano.
Essa abordagem dialoga diretamente com o que Hamburger (2017) chama de “guerra de imagens” – como as representações visuais de áreas marginalizadas se tornam campos de batalha políticos. Enquanto filmes como Notícias de uma Guerra Particular (SALLES; LUND, 1999) dramatizam o conflito urbano, a fotografia de Salém inverte a lógica: ao mostrar as UPPs como elementos comuns da paisagem, ela revela como a violência institucional se torna normalizada.
Como observa Hamburger, essas imagens não são neutras – são ferramentas poderosas que moldam debates públicos sobre segurança. O trabalho de Salém vai além de questionar as narrativas oficiais sobre “pacificação”; ele repensa fundamentalmente quem controla as representações da favela, oferecendo uma alternativa às narrativas midiáticas tradicionais.
Além da fotografia, Salém atua como diretora de documentários e curadora de exposições, colaborando com instituições como o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Instituto Moreira Salles (IMS). Seu projeto “Lentes da Quebrada”, uma série de oficinas fotográficas para jovens de periferia, já impactou centenas de participantes, reforçando seu compromisso com a educação através da arte.
O trabalho de Salém da Rocinha ultrapassou as fronteiras do Brasil, conquistando espaço em importantes mostras internacionais. Sua série “Favela: Resistência e Poética” foi exibida no Centro Cultural Banco do Brasil (2022), destacando a estética e a resiliência da vida nas periferias. No ano seguinte, participou do Photoville Festival, em Nova York (2023), com a exposição “Visualizando Periferias”, que colocou a Rocinha em diálogo com outras comunidades globais. Em 2024, integrou a coletiva “Afrofuturismo e Periferia” no Museu Afro Brasil, explorando a intersecção entre identidade negra e imaginário urbano.Seu talento foi consagrado em 2023 com o prêmio “Arte e Transformação Social” no Festival Internacional de Fotografia de Paraty (FIF), reconhecendo sua capacidade de unir criatividade e impacto sociocultural. Essas conquistas a consolidam como uma das principais vozes da fotografia documental contemporânea no Brasil, ampliando a representação das favelas além dos estereótipos.
Referencia bibliograficas:
- MUSEU DA PESSOA. A fotógrafa cria da Rocinha. 2023. Disponível em: https://museudapessoa.org/historia-de-vida/a-fot-grafa-cria-da-rocinha/. Acesso em: 11 fev. 2025.
- OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. Formação em Fotodocumentário: Salém da Rocinha. 2021. Disponível em: https://observatoriodefavelas.org.br.
- FESTIVAL PHOTOVILLE. Visualizando Periferias: Fotografia e Justiça Social. 2023. Catálogo oficial.
- MARQUES, Ana. Arte e Periferia: A Revolução Visual de Salém da Rocinha. Revista ZUM, 2024.
- HAMBURGER, Esther. Guerra de Imagens: Da Revolução de 1930 à queda do Muro de Berlim. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
- SALLES, João Moreira; LUND, Kátia (dir.). *Notícias de uma Guerra Particular*. Documentário. Brasil: VideoFilmes, 1999.
- BENTES, Ivana. Sertões e favelas no cinema brasileiro contemporâneo: estética e cosmética da fome. In: XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2003, Belo Horizonte