Pierre Edouard Léopold Verger nasceu no dia 4 de novembro de 1902, em Paris, na França. Filho caçula de uma família de origem alemã e belga, seu pai era dono de uma empresa tipográfica e, por isso, Pierre pôde desfrutar de uma boa situação financeira . Ele, entretanto, não desenvolveu interesse pelos negócios familiares e nem pelo estilo de vida que levavam. A vida de Verger também foi marcada pelas perdas em sua família, pois, antes de completar trinta anos, ele já havia perdido o pai e os dois irmãos.
Em 1932, com o falecimento de sua mãe, que era sua última parente viva, Pierre decidiu trilhar novos caminhos e seguir uma paixão, a de viajar pelo mundo. Porém, antes de dar início às suas viagens, Verger permitiu-se experimentar um novo ofício, a fotografia. No mesmo ano de 1932, ele comprou sua primeira câmera fotográfica, uma Rolleiflex, e buscou ajuda do fotógrafo e amigo Pierre Boucher, que o ensinou as principais técnicas fotográficas. Sendo assim, a partir desse momento, a fotografia tornou-se a sua fonte de renda.
No início, Pierre trocava seus registros por itens básicos para sobreviver, como alimentos, hospedagens e até mesmo passagens. Mas, com o passar do tempo, ele começou a ficar conhecido no campo da fotografia, o que possibilitou que ele trabalhasse vendendo materiais para jornais, revistas, agências e centros de pesquisa. Paris, agora, tinha deixado de ser sua casa para ser o lugar em que reencontrava amigos e fazia contatos para novos trabalhos e viagens.
Pierre viajou para vários lugares de 1932 a 1946, quando desembarcou na Bahia, influenciado pela leitura do romance “Jubiabá”, de Jorge Amado. A cidade escolhida foi Salvador, que o encantou pela tranquilidade, hospitalidade e riqueza cultural, o que foi decisivo para que o fotógrafo decidisse se estabelecer por lá. Os afro-brasileiros, que viviam em grande número na cidade, eram o fato que mais chamava a atenção de Verger, que fotografava todos os aspectos da cultura negra, identificando os traços do continente africano na cidade. Nesse momento, ele passou a produzir fotografias de aspectos marcantes da cidade para a revista O Cruzeiro.
O Candomblé em Salvador
Quanto mais Pierre via e fotografava, mais ele se interessava por conhecer os negros, suas histórias e tradições. O fotógrafo tomava o “outro” como motivo das suas fotografias, e produziu imagens que dialogavam com a antropologia e as representações da mestiçagem, baianidade e negritude exaltados por intelectuais como Jorge Amado e pelo discurso regionalista baiano.
Foi nessa busca por se aproximar da população negra de Salvador que ele conheceu o Candomblé, que fez com que ele se envolvesse com as práticas religiosas e, eventualmente, se convertesse à religião. A partir desse momento, sua relação com a fotografia se modificou: ele buscou retratar em seus trabalhos as formas como o culto africano aos ancestrais e a cultura negra ganhou forma no Brasil e na África Ocidental.
Em 1948, ele conseguiu uma bolsa para estudar e fotografar os rituais na África Ocidental e lá recebeu o título de “Fatumbi”, que é o patamar mais alto do culto africano equivalente ao Candomblé. O centro que financiava a pesquisa era o Instituto Francês da África (IFAN), que exigia, além das fotografias, uma parte escrita do que estava sendo representado. Foi aí que Verger começou a desenvolver a associação entre imagem e texto, num discurso etnográfico.
O Candomblé e outras práticas religiosas afro-brasileiras e espíritas foram duramente reprimidas durante a primeira metade do século XX. Os códigos penais de 1890 e de 1940 enquadravam essas religiões como charlatanismo, curandeirismo e misticismo, proibindo e criminalizando sua existência.
No pós-abolição, as ideologias positivistas, higienistas e do branqueamento estigmatizaram a religiosidade afro-brasileira nos espaços urbanos e fomentaram a perseguição policial. Em contraposição a esta criminalização e estigma, as fotografias de Verger são atravessadas por uma outra percepção da cidade de Salvador, exaltando os territórios negros no espaço urbano.
Na imagem acima, percebe-se que Pierre Verger captou, em primeiro plano, uma mulher negra durante um ritual do Candomblé. A fotografia parece ser espontânea pela representação da linguagem corporal da mulher (olhos fechados, cabeça inclinada para cima e um braço leve sobre o corpo enquanto o outro segura um objeto religioso), que aparenta estar sentindo profundamente o ritual.
Uma característica importante das fotografias de Pierre Verger é que elas não eram posadas, uma vez que o seu principal interesse eram os acontecimentos ligados às dinâmicas que estavam sendo retratadas e não a forma como a imagem sairia. Ainda assim, as fotografias capturavam a plasticidade e os movimentos do ritual.
A imagem acima foi realizada no terreiro de Joãozinho da Goméia, em Salvador, na Bahia. João Alves de Torres Filho, ou Joãozinho da Goméia, nome pelo qual era conhecido, foi o homem responsável pela popularização do Candomblé no Brasil, chegando até a ser conhecido por alguns como Rei do Candomblé. O pai-de-santo, que fundou famosos terreiros na Bahia e no Rio de Janeiro, reconhecia a forte discriminação contra o Candomblé no país e soube utilizar da imprensa da época, para diminuir essa discriminação, colocando, muitas vezes, a religião nas páginas de importantes jornais e revistas.
Joãozinho da Goméia foi um grande líder que conquistou o respeito de muitas pessoas e é uma das referências quando se imagina o Candomblé, como é possível ver na foto de Pierre Verger, que foi capturada em um dos terreiros do pai-de-santo.
Pierre Verger morreu no dia 11 de fevereiro de 1996, em Salvador, Bahia, aos 93 anos. Ele deixou a Fundação Pierre Verger (FPV) que, desde sua criação em 1988, tem o objetivo de dar sequência ao trabalho social de incentivo à cultura do fotógrafo.
Referências Bibliográficas
SOUZA, D. Centenários Negros: Joãozinho da Goméia. Fundação Cultural Palmares. Disponível em: <https://www.palmares.gov.br/?p=31927>. Acesso em: 9 ago. 2023.
FPV – Fundação Pierre Verger. Biografia. Salvador, Brasil. Disponível em: <https://www.pierreverger.org/br/a-fundacao/quem-somos/objetivos-e-historico.html>. Acesso em: 7 mar. 2023.
Instituto Tomie Ohtake. Pierre Verger – Percursos e Memórias. São Paulo, Brasil. Disponível em: <https://www.institutotomieohtake.org.br/exposicoes/interna/pierre-verger-percursos-e-memorias>. Acesso em: 7 mar. 2023.
PIERRE VERGER – OBRAS, BIOGRAFIA E VIDA. Escritório de Arte. São Paulo. Disponível em: <https://www.escritoriodearte.com/artista/pierre-verger>. Acesso em: 7 mar. 2023.